quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

ORDENAÇÃO POLAR DE MACROALGAS EPÍFITAS EM MANGUEZAL


ORDENAÇÃO DE FICOCOMUNIDADES EPÍFITAS
EM AMBIENTE DE MANGUEZAL
I – INTRODUÇÃO
            Áreas de manguezal são comuns em toda a costa brasileira. Este tipo de vegetação ocorre desde a costa norte do país até a costa sul do Estado de Santa Catarina.
            Tendo em vista a escassez de substrato para se fixarem, várias espécies de algas bentônicas utilizam-se dos troncos e pneumatóforos de espécies arbóreas para se estabelecerem.
            O objetivo deste trabalho é ordenar duas ficocomunidades distintas, localizadas em troncos e pneumatóforos e analisar o seu comportamento em relação à exposição direta da luz e zonação nos troncos.
II – MATERIAL E MÉTODOS
           A. Descrição do local             O local pesquisado localiza-se no manguezal formado pela confluência dos rios Ingaíba e São Brás, no interior da Baía de Sepetiba, ao sul da cidade de Mangaratiba(RJ).
 
                                                                               Figura 1: Local de coleta
 
          
          O manguezal é formado inicialmente por uma curta faixa constituída predominantemente por Laguncularia racemosa Gaethern e escassos exemplares de Rhizophora mangle Linnaeus, mais para o interior dos rios encontram-se uma maior quantidade de Avicennia shaweriana Stapf & Leechmann e Hibisco tiliaceus Linnaeus .



                                                                   Figura 2: Foto do local
 
A flora algológica bentônica do local e das regiões vizinhas foi recentemente descritas por Pedrini (1980)     
   B. Amostragem
            Os dados de campos foram obtidos através de coletas sistemáticas no período entre o inverno/1985 e o outono/1986. Adaptou-se a metodologia utilizada por Mitchell et al (1974) e Davey & Woelkerling (1980) de forma que foram coletados pneumatóforos e fragmentos do tronco de Laguncularia racemosa onde ocorriam algas bentônicas. Os pneumatóforos foram coletados inteiros e os fragmentos dos troncos foram coletados os 5 cm superiores (onde se encontravam algas) e os 5 cm inferiores da comunidade de algas (junto ao sedimento).
            Foram realizadas amostras em regiões na borda da vegetação em contato com o rio, onde a comunidade estava exposta à luz direta do sol e em regiões no interior da vegetação onde a exposição à luz era menos intensa, em cada período do ano.
Não menos do que 25 amostras por estação foram realizadas.

 
     C. Análise dos Dados
            Os dados de campo foram computados através das presença/ausência de cada espécie em cada amostra em cada estação e período do ano, levando-se em conta o aspecto reprodutivo de cada espécie para análise de sua fenologia.
            Para ordenação polar (Bray & Curtis, 1957) aplicou-se a dupla padronização conforme sugerido por Cottan et al (1978), tendo usado como índice de similaridade o somatório dos pontos mínimos em comum conforme Goodall (1978).
            Para os cálculos de associação de espécies usou-se o método do qui-quadrado (Agnew, 1961 e Goodall, 1953).

 
III – RESULTADOS

A.      Ordenação e Distribuição das Espécies

Foram relatadas para o local, as seguintes algas:
Bostrychia calliptera (Montagne) Montagne
Bostrychia moritziana (Sonder ex Kutzing) J. Agardh
Bostrychia radicans (Montagne) Montagne)
Caloglossa leprieurii (Montagne) G. Martens
Caloglossa ogasawaraensis Okamura
Catenella caespitosa (Withering) Irvine
Rhizoclonium africanum Kutzing
Chaetomorpha gracilis
Gayralia oxysperma (Kutzing) Vinogradova
Compsopogon caeruleus (Balbis ex C. Agardh) Montagne
            A ordenação polar das comunidades epífitas aos troncos mostrou-se, a princípio, muito influenciada pela localização das populações quanto à altura no tronco, e em segundo plano, se o local estava exposto ou não a luz direta do sol.


 Figura 3: Ordenação Comunidades epífitas em troncos. (P-Primavera, V-Verão, I - Inverno e O - Outono)




                                    Figura 4: Ordenação - Espécies epífitas em troncos.


             Analisando a distribuição das espécies quanto à ordenação dos grupos observamos que Bostrychia radicans, Bostrychia moritziana, Rhizoclonium africanum e Chaetomorpha gracilis apresentaram maiores freqüências em regiões altas dos troncos à luz direta do sol.
            Catenella caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa leprieurii e Caloglossa ogazawariensis apresentaram maiores freqüências em regiões baixas dos troncos e preferencialmente em locais sombreados.
            A ordenação polar da comunidade epífita nos pneumatóforos mostrou-se influenciada pela exposição direta à luz solar (Figuras 3-6).
         Bostrychia radicans, Bostrychia moritziana e Chaetomorpha gracilis apresentaram maiores freqüências em áreas expostas. Bostrychia radicans mostrou maiores freqüências em áreas sombreadas apenas no verão.
            Catenella caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa leprieurii, Caloglossa ogazawariensis e Rhizoclonium africanum mostraram maiores freqüências em áreas sombreadas. Catenella caespitosa e Caloglossa leprieurii apresentaram maiores freqüências em locais expostos à luz apenas no inverno.
            Gayralia oxisperma apresentou maiores freqüências no inverno e em regiões expostas à luz solar. Compsopogon caeruleus apresentou maiores freqüências no verão e em regiões expostas.


                                   Figura 5: Ordenação Polar: Comunidades em pneumatóforos.

 
                                Figura 6: Ordenação - Espécies epífitas em pneumatóforos.

 
              A análise utilizando-se a associação de espécies comprova estas observações a níveis estatisticamente aceitáveis (Figura 7).


                                         Figura 7: Associação de Espécies - Qui-Quadrado.

 
                 Apenas as espécies Catenella caespitosa (Withering) Irvine, Caloglossa leprieurii (Montagne) G. Martens, Bostrychia radicans (Montagne) Montagne e Bostrychia moritziana (Sonder ex Kutzing) J. Agardh apresentaram reconhecíveis estruturas de reprodução durante o período pesquisado.

·         Catenella caespitosa apresentou tetrasporângios em todas as épocas do ano com maiores freqüências na primavera e verão, nas regiões baixas dos troncos, principalmente nas áreas expostas. Plantas cistocárpicas ocorreram somente no inverno nas regiões baixas dos troncos expostos e pneumatóforos das regiões expostas.
·         Caloglossa leprieurii apresentou plantas tetraspóricas presentes em baixas freqüências no outono nos pneumatóforos em áreas sombreadas, na primavera em regiões baixas dos troncos em áreas expostas e com maior frequência nos pneumatóforos em regiões expostas durante o inverno.
·         Bostrychia moritziana apresentou-se na forma cistocárpica com maiores freqüências durante a primavera nos pneumatóforos de regiões expostas. Plantas masculinas ocorrem com baixas freqüências nas regiões altas dos troncos de zonas expostas durante a primavera. Plantas tetraspóricas ocorrem com altas freqüências em pneumatóforos expostos na primavera e freqüência média nos pneumatóforos expostos e regiões altas dos troncos de áreas sombreadas no inverno.
·         Bostrychia radicans ocorreu na forma tetraspórica em todas as estações de coleta pelo menos em duas épocas do ano, apresentando maiores freqüências nos pneumatóforos de regiões expostas principalmente durante a primavera e verão. Nas estações de coleta expostas e no período do verão foram encontradas as maiores freqüências para este aspecto reprodutivo. Plantas cistocárpicas foram encontradas com altas freqüências nas zonas altas dos troncos de regiões sombreadas no inverno, nos pneumatóforos em regiões expostas e zonas altas dos troncos durante a primavera e nos pneumatóforos de regiões sombreadas no verão. Plantas masculinas ocorreram com altas freqüências nas zonas altas dos troncos e em regiões sombreadas durante o inverno e verão e com baixas e médias freqüências nos pneumatóforos de regiões expostas.

 
IV – DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

            São várias as condições adversas para o estabelecimento de algas bentônicas em regiões de manguezal (Chapmann, 1976). Manguezais da região caraíbica (Almodovar & Pagan, 1971; Burkholder & Almodovar, 1973) e da costa sul australiana (Davey & Woelkerling, 1980 e Beanland & Woelkerling, 1982 e 1983) parecem estar submetidos à um menor stress que os manguezais da costa brasileira, quando comparamos suas diversidades específicas. A presença de espécies características de costões rochosos e de outras regiões que não manguezais são boas indicações que realçam estas diferenças no caso dos manguezais caraíbicos e australianos. Regiões de manguezais da costa nordestina brasileira demonstram padrão semelhante aos dos mangues caraíbicos (Miranda, 1986). O substrato lamoso parece ser o fator mais importante para diminuição do número total de algas nos manguezais do sudeste brasileiro, quando comparados a outras áreas (Oliveira Filho, 1984).
            Davey & Woelkerling (1980) observaram que a diversidade da comunidade ficobentônica de pneumatóforos de regiões de mangue no sul da Austrália é influenciada pela presença de água doce. Quanto maior a influência, menor é a diversidade. A região pesquisada neste trabalho estava em contato direto com as águas dos rios envolvidos e se compararmos sua flora com a de outros manguezais vizinhos, porém pouco influenciados pelo rio, percebemos que este fato também ocorre em nossa área. O manguezal de Itinguçu, ao norte da região pesquisada, apresenta áreas pouco afetadas pela presença do rio e possui cerca de 20 espécies (Pedrini, 1980 e observações pessoais) enquanto nossa área pesquisada apresentou 10 espécies apenas.
            A presença da associação Bostrychia-Catenella-Caloglossa em manguezais caraíbicos (Almodovar & Pagan, 1971) que ocorre apenas em regiões sombreadas, não ocorre em manguezais australianos (Beanland & Woelkeriing, 1983), o mesmo não acontecendo em nossa região pesquisada. Acreditamos que a competição com espécies mais adaptadas mantém esta associação em áreas sombreadas onde melhor se adaptam. No entanto, uma forte competição entre estas provavelmente acontece também.
            A estrutura da comunidade ficológica bentônica dos manguezais parece estar influenciada por fatores locais a cada mangue, tendo em vista as diferenças e comportamentos indicados neste e em vários outros trabalhos (Almodovar & Pagan, 1971; Mitchell et al,1974; Beanland & Woelkerling, 1983;Oliveira Filho, 1969 e 1984; Davey & Woelkerling, 1980).
            A zonação das algas bentônicas em ambientes de manguezal do sudeste brasileiro já foi percebida por Por et al (1984) e Oliveira Filho (1984). Foi observado neste trabalho que, a comunidade de algas dos troncos de Laguncularia racemosa se estabelece zonadamente, independente da localização das plantas no manguezal (se em local exposto ou não a luz solar direta), e que a parte superior é coberta pelas espécies: Bostrychia radicans, Bostrychia moritziana, Chaetomorpha gracilis e Rhizoclonium africanum, enquanto a parte inferior, em contato com o sedimento, é dominada por Catenella caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa ogazawaraensis e Caloglossa leprieurii. A presença de Bostrychia radicans e outras espécies do mesmo gênero em áreas sombreadas do supra-litoral de costões rochosos demonstra que estas espécies são resistentes a dessecação, talvez este fato seja o mais importante para a localização destas plantas nas partes mais altas dos troncos. Nas partes inferiores dos troncos sua frequência diminui provavelmente devido à competição com Catenella caespitosa que forma sempre uma densa população nestas áreas.
            A estrutura da comunidade epífita em pneumatóforos é influenciada pela exposição ou não da luz direta do sol, do mesmo modo como já foi relatado em regiões australianas (Davey & Woelkerling, 1980). A iluminação pouco influencia a composição e estrutura da comunidade dos troncos, sendo importante apenas na fenologia das plantas de acordo com a localização da planta-substrato.

Agradecimentos
            Agradeço aos pesquisadores Verena R. Eston e Alexandre G. Pedrini pela leitura crítica do manuscrito e pelas sugestões propostas.

 
V – REFERÊNCIAS

Agnew, A.D.Q. 1961. The ecology of Juncus effusus in North Wales. J. Ecol. 49:83-102.
Almodovar, R.L.R. and Pagan, F.A. 1971. Notes on a mangrove lagoon and mangrove channels at la Paguera, Puerto Rico. Nova Hedwigia. 21:241-253.
Bealand, W.R. and Woelkerling, W.J. 1982. Studies on Australian mangrove algae. II. Composition and geographic distribution of communities in Spencer Gulf, South Australia. Proc.R.Soc.Vict. 94:89-106.
Bealand, W.R. and Woelkerling, W.J. 1983. Avicennia canopy effects on mangrove algal communities in Spencer Gulf, South Australia. Aquatic Botany. 17:309-313.
Bray, J.R. and Curtis, J.T. 1957. An ordination of the upland forest communities of Southern Wisconsin. Ecol.Monogr. 27:325-349.
Burkholder, P.R. and Almodovar, R.L.R. 1974/75. Studies on mangrove algae communities in Puerto Rico. Florida Scientist. 36:66-74.
Chapman, V.L. 1976. Coastal vegetation. Great Britain, Pergamon Press. 291 pags.
Cottan, G.; Goff, F.G. and Whittaker, R.H. 1978. Wisconsin comparative ordination. I: Ordination of Plant Communities. W.Junk Publ. The Hague. Pags: 185-213.
Davey, A. and Woelkerling, W. J. 1980. Studies on Australian mangrove algae. I: Victorian communities: Composition and geographic distribution. Proc.R.Soc.Vict. 91:53-66.
Goodall, D.W. 1953. Objective methods for the classification of vegetation. I:. The use of positive interspecific correlation. Austr.J.Bot. 1:39-63.
Goodall, D.W. 1978. Samples similarity and species correlation. In: Ordenation of Plant Communities. W.Junk Publ.The Hague. Pp99-149.
Miranda, P.T.C. 1985. Composição e distribuição das macroalgas bentônicas no manguezal do Rio Ceará. Recife. Dissertação de Mestrado. UFPe. 96 pags.
Mitchell, G.S.P.;Monteiro, D.F. e Medina, R.S. 1974. Observações ficológicas no manguezal de Piedade. Leandra. 4-5:137-142.
Oliveira Filho, E.C. 1969. Algas marinhas do Sul do Estado do Espírito Santo.I: Ceramiales. Bol.Fac.Cienc.Letr.USP-Botânica. 26:1-277.
Oliveira Filho, E.C. 1984. Brazilian mangal vegetation with special emphasis on the seaweeds. In: Hydrobiology of the mangal. The Hague. Junk Publ. pags.56-65.
Pedrini, A.G. 1980. Algas marinhas bentônicas da Baia de Sepetiba e arredores. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. UFRJ. 403 pags.
Por, F.D.; Por-Prado, M.S. and Oliveira Filho, E.C. 1984. The mangal of the estuary and lagoon system of Cananéia. In: Hydrobiology of the mangal. The Hague. W. Junk Publ. pags. 212-228.




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